segunda-feira, julho 28, 2008

Do vagido à palavra: veredas

Do vagido à palavra: veredas






Olhava-se no espelho diariamente e sentia uma dor sem mesura, inenunciável. Silenciosa, vinda do escuro e da tristeza, condenada a ser vácuo, a ser invisível. Perdia-se na tentativa de dizer algo que não existia e, quando lhe perguntavam o que sentia, percebia que ia explodir, porque não conseguia achar o que dizer e via que nem criando palavras seria capaz tocar aquilo. Era algo que lhe escapava, uma lacuna, algo que, de tão irrepresentável, podia nem mesmo existir - apesar da presença, lancinante: “une trop bruyante solitude”. Era como falar de algo que falta, tentar fazer o outro experimentar a própria fome ou fazê-lo sentir o próprio ódio – ambos ausências, o que apenas agravava mais o desespero de achar que nunca (jamais) conseguiria explicar. E não conseguiria mesmo, já que lhe restava apenas aprender a conviver com esse não-existir. Era um imperfeito, um “gerúndio” – com toda a angústia que o processo pode acarretar. Queria poder passar do grito ao sentido, mas a vida mostra sempre que nem tudo (malgré moi) é significado. Conviver com o inominável nem era possível. E prosseguir numa época em que se anunciava a materialização do fim da vida estava sendo duro. Vida rija, rígida, como o clima e certas vegetações. Como os caminhos de certas estradas nas quais andamos e nem sabemos por quê. Parce qu’il le faut, tout simplement. Sois pas bête, mon enfant. Mange ta soupe et apprend ta leçon: la vie, mon cher, n’est qu’une suite de rebondissements. Et il faut rebondir: n’importe où et n’importe comment. Mais il le faut.

Imagem: The Tempest (1916) - John William Waterhouse

8 Comments:

At segunda-feira, 28 julho, 2008, Anonymous Anônimo said...

que vergonha, você é tão elegante.

insuffisance c'est le martyr du monde

 
At quarta-feira, 30 julho, 2008, Blogger Unknown said...

Olá!
O início me lembrou mt uma poesia da Sylvia Plath! Muito.

___

Não lembro o nome da batata eheh Sei que começa com "J".

see u!

 
At sábado, 02 agosto, 2008, Blogger Marie Goulart said...

Detonou! - já que eu arraso, rs

 
At segunda-feira, 11 agosto, 2008, Blogger Cicero said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At segunda-feira, 11 agosto, 2008, Blogger Karen Cunha said...

"Que venha essa nova mulher de dentro de mim...Que venha de dentro de mim, ou de onde vier,
Com toda malícia e segredos que eu não souber
Que tenha o cio das onças e lute com todas as forças,
Conquiste o direito de ser uma nova mulher.
Livre, livre, livre para o amor....quero ser assim, quero ser assim
Senhora das minhas vontades e dona de mim" (Simone)

hahaha desculpa, eu não resisti, foi mais forte que eu.

 
At segunda-feira, 06 outubro, 2008, Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At segunda-feira, 06 outubro, 2008, Anonymous Anônimo said...

A propos de Jean Luc Lagarce, il y a une intéressante publication sur la manière dont il a été traduit :

http://www.solitairesintempestifs.com/fr/ouvrage314.html

yugen.

 
At terça-feira, 28 outubro, 2008, Anonymous Anônimo said...

do vagido à vagina!

e aí, quando vai voltar a postar?

vamo trabalhar, meu bem

bisappellemoi!

 

Postar um comentário

<< Home