domingo, setembro 30, 2007

Esperarei o próximo

Esperarei o próximo(ainda que ele não venha)











... e apesar da ausência (privava-se de todos cotidianamente), via que os grãos do tempo caíam ininterruptamente, empurrando-o constantemente - mas não sabia para onde. Era, enfim, espectador de sua própria existência (e não ignorava o pesar que isso lhe causava). Passeava os olhos pelas letras, pelas pedras, pelas cores e pelas pessoas, mas sabia que nada permaneceria, já que tudo escapava e ia-se despedindo. Agora, mais do que nunca, via o tempo chegar (e sair pelas frestas dos dedos e pelos vãos das palavras) e a memória, frágil, já não conseguia mais resguardar o passado. Ainda assim, relutava em maldizer a vida, já que tinha aquela que havia escolhido. A maior prisão era sua liberdade (para quem não sabe escolher, poder é terreno onde se cultiva angústia). Esperaria o próximo, ainda que ele não viesse. "E que Deus te proteja, meu amor. Porque eu não posso mais".
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e a linda sonhadoramente,
Em anseios d'alma para ficar bela
Grita ao céu e a terra toda a Natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes
E reflete o mar toda a Sua riqueza...
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente
Sobre o espaço, sonhadora e bela!

(Bachiana nº 05, Heitor Villa-Lobos)