quinta-feira, novembro 02, 2006

Uma ruidosa ausência

Uma ruidosa ausência
À une chère abs(ta)nte

Pensava que passar, talvez, fosse um bom sinônimo para viver. Passara por várias coisas em sua vida, mas não se lembrava de ter vivido nada. Perguntava-se se era possível viver (verbo defectivo, presente contínuo, já que não se vive no passado nem no futuro, tempos que só existiam em relação àquele Outro, absoluto): Carpe diem quam minimum credula postero. Tempo arbitrário o presente: impossível viver no absoluto. Dera-se conta de que o sentido construía-se nos intervalos, no entre
(via-se melhor nas entrelinhas). E haveria, sempre, uma distância: era ela quem assegurava (e engendrava) o sentido (sentimento). Mas, viver não tinha sentido (a vida era um grande anacoluto). Aquela distância (que não poderia jamais ser alcançada) a angustiava. O presente morria no momento em que nascia e nada poderia, jamais, ser dito in praesentia. Nada poderia ser dito diante da morte. E ao pensar nisso, fez silêncio. E pensou que ele, o silêncio, também não era possível, pois morria ao ser enunciado. Nada podia ser feito, porque o nada não existia. Viver tornara-se um constante (e progressivo) acúmulo de passados.
Imagem: Grimaces à Kotzebue - Jean-Philippe Charbonnier (1955)