segunda-feira, março 14, 2011

Os passos em volta

Os passos em volta


Acreditava ter lançado um travessão, mas tudo havia sido entendido como um ponto final. E agora se via forçado a viver com reticências.

Dissera para ele usar os ouvidos quando os olhos não acudissem: o que fora dito poderia ter ressoado, suas palavras poderiam ter gerado outras palavras, retornado. Mas não foi assim. Os anteparos absorveram tudo e onde se esperava som, só silêncio. E essa insustentável leveza do nada pesa, mais que pena.

A todo momento pensava em se reerguer, retomar seu percurso, sua caminhada. E aquele intervalo entre dois tempos, brecha entre dois instantes revelava uma eternidade e um nada que estava sendo difícil suportar.

Dizia para si que poderia ficar observando de longe – feliz, admirado e na torcida – a escalada de outrem. Esperava que ele pudesse articular “a própria profundidade de seus talentos” (Herberto Helder).

Fez isso pelo “ser humano que era e que vinha cultivando e construindo todos os dias”. Mas, construir-se doía muito. Porque isso significava privar-se de algo que, repentinamente, havia adquirido importância e passara a fazer parte do cotidiano, essas “pequenas coisas”, detalhes, coisas supérfluas – que são sempre tão importantes.

Dava passos em volta de si para tentar esbarrar consigo. Porque já não se encontrava mais.  

Foto: Jean-Philippe Charbonnier