Desmedida

Não fomos feitos para viver verdades. Atualmente pelo menos, preferimos os paradigmas. Insistimos na existência de múltiplas perspectivas, afirmamos que tudo depende do ponto de vista - eles mesmos tão distintos quanto os seres humanos. E já que a pluralidade é o próprio do humano e a diferença, seu ponto de partida, toda "unanimidade" ou "unilateralidade" seria burra, restritiva, empobrecedora. Tudo o que é reto é também estreito e parcial; tudo o que é pluriforme e multiangular, exprime melhor a complexidade do que é ser humano. Afinal de contas, para que se fixar ao "Uno" se ser "Pluri" - sem rótulos ou etiquetas, fronteiras ou limites - é de longe mais interessante? Por que o preto e branco, se flagramos já o colorido da vida?
Não ignoramos que viver essa pluralidade é um risco, até mesmo um tormento. Pois nada é sólido, dá sustentação, apoio. É como se tivéssemos que aprender a andar em terreno movediço: divertido no começo, mas logo se percebe que a coluna não endireita, que as pernas não se sustêm e que se está sempre no mesmo lugar - colorido, mas estático. Eis então, que surge uma nostalgia do preto e branco. E quando se volta ao monocromático, o mesmo sentimento de tormento retorna - se é que ele nos abandonou.
Fala-se muito em "meio termo", caminho do meio, que seria o ideal, é bem verdade. Mas eu, honestamente, não sei o que poderia estar no intervalo da alegria e da tristeza, do movimento e da estaticidade, do singular e do plural, do simples e do complexo, do amor e do ódio.
Gostaria muito de habitar nesse interstício, nesse vão, nesse entre. Mas não me parece possível. Somos condenados a viver entre extremos.
Foto: Bill Brandt (Ear on the beach, 1957).